quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Regresso ao Admirável Mundo Novo

                 Esse livro é um complemento filosófico ao Admirável Mundo Novo. Quando foi escrito, mais de 25 anos após o primeiro, Huxley já havia visto várias de suas "profecias" aplicadas durante todo o processo de transformações sociais & científicas no contexto da segunda guerra mundial - genética, bioética, propaganda, mercado, desumanização*. Talvez muito impressionado com a própria capacidade de antever o futuro demonstrada no Admirável Mundo Novo, resolveu que precisava escrever um novo livro, e que dessa vez não fosse um romance, mas uma análise fria & extremamete consistente da realidade que estaria por vir. É um livro fantástico, não apenas pra quem leu o romance, mas pra qualquer um que tenha a inquietação receiosa com os modelos sociais e as implicações éticas do desenvolvimento & aplicações tecnológicas no passado recente, nos dias atuais, e no que provavelmente nos espera num futuro próximo. A análise é de um Huxley ainda mais preocupado (ao que parece nem ele esperava tamanha semelhança entre o que havia escrito e o que se demonstraria ser fato histórico posteriormente!), muito lúcido, e que revela um conhecimento profundo da filosofia e das ciências sociais, evidenciando linhas de pensamentos que, ainda hoje, são emergentes. Um janela no passado que nos expõe ao que muitas vezes insistimos em vendar os olhos.

*Hoje o termo  pós-humanidade parece-me cair como uma luva nas óticas de Huxley.

Pra baixar: http://www.4shared.com/document/6lrni4N2/Regresso_ao_Admirvel_Mundo_Nov.html

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Abutres em penas de Pomba da Paz, ou Pomba Branca do Senhor, tanto faz.

           
  "Não há mistérios em descobrir,
             o que você tem e o que você gosta.
             Não há mistérios em descobrir,
             o que você é, e o que você faz..."
Chico Science

           A nossa mídia tem três características muito nítidas: é extremamente humanista e opinativa - no sentido de sugerir soluções para os maiores problemas nacionais, e daí nasce a sua terceira característica marcante, que é a criatividade. Os nossos maiores problemas como nação são criados por ela - não o problema em si muitas vezes, mas sua dimensão, sua importância, seu ângulo de observação com seu respectivo espectro apropriado.

           Vejam quanto humanismo quando uma repórter da globo no argumento que antecedeu à entrevista de uma criança de 12 anos fala "...e a grande preocupação agora, Fulano de Tal, é com a saúde mental destas crianças que assistiram à essa cena de horror", e em seguida começa a entrevistar a garotinha e a faz contar em detalhes tudo que presenciou: tiros, gritos, sangue, muito sangue. Faz a garota reviver todo o trauma  - e com o tradicional acréscimo de drama direcionado pela repórter - tudo isso imediatamente após a criança ter passado por ele, só que agora cercada por câmera, iluminador, microfones e a moça da TV. Ótimo, ajuda muito.

          Espaços publicitários quando em épocas de Nardonis costumam saltar de valores, ajuda muito.

          A mídia fala que é um dia para ser esquecido mas toda uma logística se realiza internamente para que o assunto possa ser acessado a qualquer momento providencial no futuro. Nada escapará de registro, nem sequer o inexistente. Pipocarão familiares e amigos de ambos os lados, líderes religiosos - teorizando, eximindo-se e perdoando - e, quem sabe, até alguns seguidores. Seguidores seriam ótimos, twitteiro nenhum nega, a Record jamais. Aliás, fico pensando que reação o diretor de jornalismo da Globo tem quando pipoca um caso como esse: deverá ficar muito emocionado, excitado talvez, o que passará por sua cabeça? Sentimentos muito nobres, naturalmente, destes que fazem a fala do Bonner vacilar emotiva no JN.

           A mídia focaliza os políticos da moda e os pretensa e diretamente envolvidos com o acontecido. Os dá um palco como jamais imaginou Pink Floyd, com recursos & visibilidade imensuráveis. Eles se emocionam sobre tamanhos holofotes, choram mesmo, se identificam como mulheres, líderes do povo, e sofrem junto com eles. Maldizem o "louco" e pedem orações pelas vítimas. Há quem chore os vendo, há quem sinta que estes sentem o que ele sente, há quem vomite.

           A mídia ataca o agressor com os adjetivos do mais "equilibrados", e assim também se identifica com seu público. Os mais "sérios" jornalistas de massa não resistem a um "psicopata" ou "animal" - conhecedores de diagnósticos de transtornos de comportamento e humanistas que são. Outros jornalistas menos contidos falam do destino do assassino, o inferno, e a sua companhia certa, o Diabo! Aliás esses dois - o ambiente e o chifrudinho - também estão no alto dessa onda, surfando numa maré de confusões psicorreligiosas e curtindo o fato de saberem que a ressaca ainda nem chegou. Já os jornalistas mais especializados demoram um pouco para dar as caras com suas entrevistas direcionadas. São os mesmos que já teorizaram com exemplos semelhantes na Rússia, nos EUA, mas que aqui não ousam estabelecer na grande mídia a mesma conexão, a mesma relação causal, afinal, seria um ataque ao nosso novo-velho modo de vida, e nem todo mundo sofre tanto quanto se pensa: deixa quieto!

           E porque será que esse maluco fez isso? É de se pensar, de se pensar se de fato ninguém, cada um de nós, com esse belíssimo trabalho realizado por nossos meios de comunicação, não tem um sinal qualquer para além da loucura e do inferno? Alguma responsabilidade pessoal poderia até pintar por aí... melhor deixar quieto de novo.

           Uma coisa é certa: nossa imprensa opinativa já nos deu todas as soluções de mão beijada: maior segurança nas escolas com detectores de metal e policiais armados, métodos para identificar um potencial maluco ao seu lado, maior controle na venda de armas, e vários outros frutos bem atacados, madurinhos. E as raízes? Ah, isso não é coisa pra grande mídia, isso é coisa para a academia e pra alguns escritores enciclopedistas de tragédias, nosso papel é outro, nosso papel é compartilhar o que o povo quer & sente.

          Outro fato é que o humanismo de nossos meios de comunicação empurra-o numa direção otimista no sentido de torcer para que jamais tal caso se repita, mesmo que para isso seja necessário glamourizar a tragédia gerando perspectivas nas mentes de milhares de "malucos" Brasil afora. E estes existem? Não, por isso eles podem dar visibilidade ao caso, é algo extinto, não se repetirá.

          Agora, se por um infortúnio destes que só o Caos pode ser responsabilizado (ou o Diabo e a Loucura, que de repente formam uma S/A os três), um caso como esses se repetir que tenha elementos novos, que traga novidades plásticas e em roteiro, que faça o Ali Kamel tremer.

         E nós que consumimos tudo isso? E nós para que todo o circo é armado, afinal, do "louco" ao editor da Caras todos pensam em nós. E aí? Quer um conselho? Esconde tuas armas e espera a poeira baixar, dá um tempo para nossa mídia aliviar-nos, curar-nos, por favor, “malucos”.